Setembro é o mês da conscientização da prevenção ao suicídio. A cada 40 segundos, alguém no mundo interrompe a própria vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)1, o número de óbitos autoprovocados é significativamente maior que aqueles causados por homicídio: 800 mil por ano. No Brasil, 32 pessoas por dia cometem suicídio. Falar desse assunto não é confortável e nem divertido, mas é necessário.

Se formos sinceros, todos nós já pensamos na própria morte. No fim das contas, o fato é que viver e morrer é como o dia e a noite e pensar na morte faz parte da nossa constituição psíquica. As causas do suicídio são diversas como são os seres humanos. Podem ter muitos nomes distintos: psicopatologias em grau leve, moderado ou severo como depressão, transtorno de ansiedade, esquizofrenia; sentimentos como culpa, vergonha, medo, ansiedade, decepção, cansaço, estresse, fuga, entre outros. 

“No texto “Luto e melancolia” Freud diz que ninguém tem energia suficiente para tirar a própria vida, a não ser que entenda que, tirando a própria vida, está matando alguém em si. Nesse sentido, fica fácil entender como algumas pessoas podem tentar ou até mesmo conseguir tirar a própria vida. Nada parece mais eficaz para fazer falta no outro do que a eternização de uma falta” (Ana Suy Sesarino).

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Nessa perspectiva, tudo começa e termina com a questão da falta. O difícil de tudo isso é que vivemos dentro e fora da igreja um profundo tamponamento dela. São dias complicados em que somos obrigados a sermos felizes, bem sucedidos, plenos. Não há espaço para a tristeza, a falha, a frustração. “Você pode ser o que quiser”, é o que diz a propaganda. “Vida em abundância” significando prosperar, ser bem sucedido, receber o que se pede, é o que dizem os pregadores da teologia da prosperidade.

Assim, não há lugar para a tristeza, para a dor, para as limitações. Jesus nos ensina que a igreja é lugar de gente doente, mas muitos têm substituído isso por injeções de ânimo clichês, não deixando espaço para o sofrimento. É preciso dar lugar e voz para a tristeza e não calá-la. A palavra é o caminho que temos para elaborações. Com aquilo que vira palavra podemos fazer algo; fora dela, viramos refém dos acontecimentos.

A Bíblia nos conta sobre homens de Deus, com vida de poder, que viveram momentos em cavernas emocionais. Um deles foi Elias. Depois de vários feitos poderosos, de verdadeiros atos de coragem, acabou se escondendo por motivos aparentemente bobos. Se você não enxerga bem o contexto dele, poderia chamá-lo de fraco, mas na verdade ele estava imerso no esgotamento; Por isso a fuga. “Ele, porém, foi ao deserto, caminho de um dia, e foi sentar-se debaixo de um zimbro; e pediu para si a morte, e disse: Já basta, ó Senhor; toma agora a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (1 Reis 19:4). “E ele disse: Tenho sido muito zeloso pelo Senhor Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derrubaram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada, e só eu fiquei, e buscam a minha vida para ma tirarem” (1 Reis 19:10).  Se Elias, que foi trasladado, teve sentimentos assim, porque nos chocamos quando alguém divide algo do gênero conosco? Porque emitimos respostas prontas, mudamos o assunto e, corriqueiramente, fugimos da pessoa? O desejo de morrer, ou as fantasias sobre a morte, que alguns nos trazem não devem nos assustar e assim nos levar apressadamente a calá-los. Geralmente silenciamos tudo isso por medo, temor de ver em nós tudo isso também, contudo, não apenas devemos escutá-los, mas convidá-los a falarem mais sobre isso.

Outro exemplo que temos é Davi na caverna de Adulão. Lá ele se juntou com “todo o homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso, e ele se fez capitão deles; e eram com ele uns quatrocentos homens” (1 Samuel 22:2). Que grupo, não é?! Foi aí que ele escreveu o Salmos 57Armaram uma rede aos meus passos; a minha alma está abatida (...)” (vs 6a).

O mais interessante nessa história, foi o encontro de Davi com Jônatas. “E Jônatas, filho de Saul, foi falar com ele, em Horesa, e o ajudou a encontrar forças em Deus. "Não tenha medo", disse ele, "meu pai não porá as mãos em você. Você será rei de Israel, e eu lhe serei o segundo em comando. Até meu pai sabe disso" ” (1 Samuel 23:16-17).  Devemos ficar atento àquilo que foi dito e no resultado disso. Essas palavras tiraram o futuro rei de Israel da caverna. Nesse caso, a saída foi subjetiva e literal. Mas qual o segredo das palavras de Jônatas? O filho de Saul naturalmente deveria ser o sucessor do trono, mas ele cria na vontade de Deus e não se importou em ser “o segundo”.  

Recentemente foram divulgados alguns casos de suicídio de pastores. Isso pasmou a muitos. Como alguém que conhece o Senhor, que vive para pregar sobre a esperança do evangelho, pode tirar a própria vida? Todos nós vivemos momentos de cavernas emocionais, eles também, na maioria das vezes devido o esgotamento físico e emocional. Quem cuida de outros não é feito de ferro, mas sim de carne e osso. Precisam de cuidado e relacionamentos saudáveis. Pessoas que os vejam como são, sem idealizações e/ou cobranças.

A Bíblia nos ensina que somos peregrinos e forasteiros, sendo assim, sempre sentiremos dor ou dores aqui nessa terra. Não fomos criados para morar aqui, pelo menos não da forma que ela se encontra. Esse não é nosso lar. Por isso a questão da dor não pode abolida com clichês “gospel” ou eliminada do meio da congregação.

 É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus. Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo. Mas, se somos atribulados, é para o vosso conforto e salvação; se somos confortados, é também para o vosso conforto, o qual se torna eficaz, suportando vós com paciência os mesmos sofrimentos que nós também padecemos. A nossa esperança a respeito de vós está firme, sabendo que, como sois participantes dos sofrimentos, assim o sereis da consolação. Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão grande morte; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos, ajudando-nos também vós, com as vossas orações a nosso favor, para que, por muitos, sejam dadas graças a nosso respeito, pelo benefício que nos foi concedido por meio de muitos.    

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A dor faz parte da caminhada cristã. Paulo disse que se desesperou da própria vida, mas como pensar em se matar se ele já estava morto? Nesse trecho temos um caminho para pensar a questão do suicídio. A morte e ressurreição de Cristo vivenciada cotidianamente por nós e a comunhão com nossos irmãos que oram conosco e por nós, nos consolando com aquilo que eles um dia receberam de Deus quando estavam em seus momentos de luto e sofrimento.

O Senhor é meu pastor e de nada sentirei falta. Alguns exegetas nos dizem que essa é a melhor tradução para o salmo mais conhecido das escrituras. Diferença sutil, mas ao mesmo tempo significativa. Não faz a falta desaparecer, faz com que nEle, aprendamos a conviver melhor com ela tendo seu cajado e sua vara que nos consolam no vale da sombra da morte.

“Há um dito do senso-comum, o de que "quem vai se matar não avisa, vai lá e faz, se a pessoa tá dizendo que quer morrer, que vai se matar, é porque não vai". Isso não é verdade. Quem quer morrer, pede ajuda de várias formas, da maneira que pode” (Ana Suy Sesarino). É preciso ter ouvido para ouvir e olhos para ver; precisamos suportar escutar minimamente o outro. Olhar nos olhos com atenção, “até mesmo nos deixarmos angustiar um tanto pelo sofrimento do outro e principalmente pelo nosso (que não é tão diferente assim); Não para resolver os problemas da pessoa, mas para que a tristeza receba algum acolhimento em nosso laço social. (...) Há quem tenha o sentido da vida seriamente rompido (ou nunca construído), e que fique buscando no laço com os outros, modos de restabelecimento do desejo de viver” (Ana Suy Sesarino).

O mais difícil em lidar com esse tipo de dor é que ela aponta para a falta de sentido que todos nós experimentamos. Esquecemo-nos que viver não é natural para nós humanos, ou seja, que não somos seres instintuais como os animais, não nascemos com um chip, com um manual de instruções intrínseco, estamos tentando aprender a viver. Um dia por vez, por isso Deus nos deixou a Bíblia para ser a nossa bússola. A vida não traz consigo um sentido que lhe seja intrínseco, vamos construindo referenciais e sentidos próprios para as nossas vidas.

A Psicologia entrou na igreja faz muito tempo, mas infelizmente, no Brasil, o que adentrou veio recheado de humanismo barato e positivismo com os ideais de “plenitude”. Vemos muitas instituições religiosas com visão polarizada sobre o assunto. Algumas abraçam tudo o que vem do universo ‘psi’ e outras a demonizam alegando que crente não precisa ou não deveria precisar de apoio psicológico. Gosto da perspectiva do Larry Crabb em seus dois livros: ‘conexão’ e ‘o lugar mais seguro da terra’. Sua prerrogativa central é que a Igreja deveria ser o lugar ideal para construção de sentidos; uma verdadeira comunidade terapêutica sem excluir a necessidade de ajuda psicológica por alguns. Para isso é necessário uma compreensão madura sobre o assunto unindo as dimensões físicas, emocionais e espirituais. A Bíblia tem todas as respostas, mas nós não temos todas as perguntas e, por isso, uma ajuda profissional pode ter o seu lugar principalmente para aqueles que estão passando por momentos de angústia intensa. Recomendar psicoterapia nesses casos é crucial.  

A doutrina da salvação tem uma marca registrada: A morte! Não sei por que, então, tanta dificuldade de se falar sobre isso no meio cristão, até porque a ressurreição a acompanha e é nela que podemos ter esperança. “Eu renovo todas as coisas”, é nessa renovação por meio de Jesus que consiste nossa fé e nos dá a possibilidade de lidar com a dor. Ela é real, alcança a todos e deve ser ouvida. Deve sempre haver espaço para ela na Igreja. Que sejamos Jônatas na vida uns dos outros ajudando alguns a sair de suas cavernas emocionais acolhendo sua dor e se deixando atingir por ela. Que esse setembro amarelo possa nos relembrar que o amor é o verdadeiro elo que transforma morte em vida.


Referências

1. Organização Mundial da Saúde, Suicide Data. Disponível em http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/