A igreja dos dias de hoje, de modo geral, tem se identificado com o individualismo e hedonismo do mundo, e tem conseqüentemente se tornado uma comunidade sentada à beira do caminho e preguiçosa. Este é um pecado que há de ser corajosamente confessado e abandonado mais cedo ou mais tarde.

Há um livro de Horatius Bonar que nos faz corar de vergonha quando comparamos o espírito de um ministério vivo e atuante com os estado de complacência da igreja atual. O livro em questão é “Um Recado Para Ganhadores de Almas”, que tem um poder de inquietar até os mais abatidos e cansados da caminhada cristã. Deveria constar na galeria dos clássicos evangélicos de toda biblioteca.

Horatius Bonar foi um ministro presbiteriano escocês, nascido em Edimburgo, no dia 19 de Dezembro de 1808, e falecido lá mesmo a 31 de Julho de 1889.  Bonar foi, acima de tudo, um “ganhador de almas”, um grande pregador e também escritor de alguns dos nossos hinos mais bonitos. Ele pertence a uma geração do passado, mas seu pequeno livro nunca fica fora de época, pois satisfaz as necessidades do ministério em nossos dias da mesma forma que satisfez as necessidades da congregação de Kelso, em 1866, e de Edimburgo anos depois.

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Bonar, em seu livro, desafia seus leitores de modo inigualável, e seus conselhos para os ganhadores de almas não apenas são espirituais e penetrantes, mas também são impulsionados por um sentimento de urgência muito forte, como ele mesmo expressou em um de seus hinos mais famosos: “Vamos trabalhar, vamos nos gastar e desgastar”. A terceira estrofe desse hino deveria ser colocada, como um lembrete diário, sobre a escrivaninha de todo cristão:

Vá, trabalhe enquanto é dia, Porque uma noite escura cairá sobre o mundo, Apresse, apresse o teu labor, abandone a preguiça — Não é assim que almas são ganhas.

Espero estimular a leitura dessa pequena obra fantástica aos irmãos que ainda não conhecem. Bonar começa seu bombardeio intelectual aos leitores mais desavisados com uma frase do reformador suíço, Oecolampadius, um homem que aprendeu por meio de sua experiência pessoal, registrando-a para o benefício de outras igrejas e de outras épocas: “Quanto mais poderiam fazer no ministério uns poucos homens bons e fervorosos do que uma multidão de homens mornos!”.

Bonar alerta que a mera multiplicação de homens que se autodenominam ministros não ajuda muito. Eles não passam de ornamentos. Há muitos crentes que não passam de crianças mimadas que ora trazem problemas para o acampamento, ora tempestade, à semelhança de Acã e Jonas. E percebam bem: não se trata aqui de liberais e pentecostais na igreja não! mas de ortodoxos na doutrina.

São três pilares em ruínas que estremecem a causa de Cristo, causando danos irreparáveis: incredulidade, morbidez e formalismo doentio. Tais cristãos ou líderes agem como um buraco negro, sugando irresistivelmente toda espiritualidade restante, levando ao esfriamento e fazendo murchar toda espiritualidade em volta deles.

Com grande propriedade Bonar diz: “O ministro morno ainda que teoricamente ortodoxo é fatalmente mais funesto para as almas do que aqueles que são grosseiramente inconsistentes ou flagrantemente heréticos”.

Fazendo uma aplicação geral, estendida a todos os crentes que tem a ordem de evangelizar: quem na face da terra é mais nocivo do que um crente sem utilidade para o Reino? Enquanto não entendermos o espírito da Igreja Primitiva não iremos entender o que é zelo, fé, amor e espiritualidade; não saberemos o que é amar o “ganhar almas”!

A Igreja de Cristo, em todas as suas facetas denominacionais, deve retornar ao exemplo da igreja primitiva e andar de acordo com as pegadas apostólicas, a fim de buscar uma conformação maior com os modelos inspirados e de não permitir que nada pertinente às coisas deste mundo se interponha entre ela e o Cristo vivo, o Cabeça; e só nesse momento ela pode voltar seus olhos aos homens que designou para cuidar das almas; homens estes que, além de bem instruídos e capazes, devem ser distinguidos pela sua espiritualidade, pelo seu zelo, pela sua fé e pelo seu amor.

Enquanto a Igreja Primitiva (ou mesmo a Igreja dos tempos da Reforma) incendiou o mundo antigo, o evangelicalismo moderno acendeu um fósforo, fazendo uma analogia com um texto sobre Baxter no livro. Querendo Deus levantar um homem nos moldes de Lutero ou Calvino, a multidão de acendedores de fósforos sumiria.

Richard Baxter é um incendiário do Reino que merece destaque no livro de Bonar. Contam os historiadores que qualquer pessoa que entrasse em contato com Baxter e o ouvisse pregar saia com uma sensação única, pois para ele ganhar almas era a coisa mais importante na face da terra. Ganhar almas não sem entendimento ou para criar números impactantes, mas para a glória de Deus! Este era o segredo do ministério de Baxter.

Trazendo à tona um problema dos nossos dias, fazendo um link com a leitura de Bonar, a igreja atual tem pouca força na área de disciplina – com isto quero dizer que a igreja tem tratado com grande tolerância e relativismo os pecados da congregação, e conseqüentemente não consegue cortar o mal de suas fileiras, tornando-se homogênea, cinzenta e frágil. Os líderes não conseguem cobrar por falta de exemplo e integridade, e muitos infiéis são tratados como fiéis. Tudo fica pasteurizado e nivelado por baixo. Daí não é a toa que o poder de evangelismo se esvai.

Hoje, tornar-se zeloso e devoto pode ser um passaporte para a zombaria e perseguição. Certamente o título de hipócrita e desonesto irá perseguir todos aqueles que entendem que há um Salvador, criador de um céu e de um inferno. Em contrapartida, há os aparentes zelosos pela causa de Cristo, mas não há transmissão de convicção. É do tipo de Comandante que grita: “vão em frente!”, mas dá um passo para trás.

As grandes doutrinas da graça são pregadas como quem conta a estória de um filme chato que acabou de passar na TV. “Um sermão sem vigor causa repugnância; um sermão sem ousadia faz uma pobre alma dormir mais depressa; um sermão vigoroso e ousado é o único tipo de sermão que é devido a Deus”, diz Rowland Hill.

Não se trata aqui de uma pregação inflamada pentecostal, onde há mais gritos e berros que doutrinas. Não! Trata-se de uma pregação bíblica centrada na supremacia de Cristo. E hoje, é o que menos se escuta. Há muito mais entretenimento que pregação propriamente dita. Os pregadores atuais estão mais para a psicologia e auto-ajuda. Freud e Jung têm feito mais adeptos que Calvino. Mas deixemos de lado os liberais e voltemos aos ortodoxos frios. Um pregador pode possuir todo o crédito na praça da doutrina e conduta social, e ainda assim ser um paralelepípedo no meio do rebanho, fazendo o povo tropeçar e não crescer espiritualmente. Este é o ponto que Bonar enfatiza tanto em seu livro. Diz Bonar que tal pessoa pode ser um poço vazio e seco, uma contradição quanto à sua ortodoxia.

Contextualizando, tal ministro pode estar pregando sobre o caminho para a vida, e ao mesmo tempo estar esfriando ou estragando a vida de um ouvinte. Ele age como um repelente.

Escreve o autor: “As mesmas palavras que de lábios ardorosos cairiam como uma chuva copiosa, ou seriam destiladas como o orvalho da manhã, caem dos seus lábios como a neve fria ou como granizo trazendo um esfriamento gélido e destruindo qualquer sinal de vida espiritual. Quantas vidas tem se perdido por falta de seriedade, falta de solenidade e falta de amor na pessoa do pregador, mesmo quando as palavras proferidas são preciosas e verdadeiras!”. Esta sentença deveria fazer tremer o chão do púlpito de muitos pregadores.

Saindo um pouco das páginas do livro, aqui cabe uma exortação aplicável do Rev. J. Marcellus Kik, que disse: “A Palavra de Deus é tão poderosa em nossa geração quanto era durante a história antiga da Igreja. O poder do Evangelho é tão forte neste século quanto era nos dias da Reforma. Estes inimigos poderiam estar completamente eliminados se os cristãos de hoje, de nossa era, fossem tão vigorosos, tão ousados, tão zelosos, de tanta oração e fidelidade quanto eram os cristãos nos primeiros séculos e na época da Reforma”. Realmente, o que mais precisamos senão pregar o Evangelho sob direção do Espírito Santo?

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Não há como evangelizar o mundo sem fazer nada! Se continuarmos fazendo pouco dos objetivos da Grande Comissão, que é levar pecadores ao arrependimento e edificar a Igreja, estaremos fadados ao fracasso! Quando perdemos o objetivo maior da perspectiva missionária, DE NADA ADIANTA “aplausos, fama, popularidade, honra e riqueza”, tudo é em vão. Diz Bonar em tom de sentença: “Se vidas não são ganhas, se os santos não são amadurecidos, o nosso próprio ministério será um fracasso”.

Irmão, irmã, qual é o seu objetivo, qual o desejo do seu coração? – Seria salvar o perdido e guiar aquele que já está salvo? – São perguntas que surgem no decorrer do livro em questão. É para respirar fundo, clamar misericórdia e se auto-examinar. Cada visita que você faz, cada pregação sua, qual é o seu alvo? Será mais um item quitado de sua agenda ou faz parte de uma profunda convicção ministerial? O que te faz orar e servir? Quantas vezes você já chorou ao ver um irmão em pecado? Saiba que o padrão bíblico não é chorar apenas, mas dar a própria vida por outro irmão. Ser instrumento para a salvação de outros é algo que não se realiza sem esforço e ação.

Há coisa mais incrível do que despertar da morte um pecador? É glorioso! Mas não sem trabalho exaustivo. O apóstolo Paulo disse que “sofria dores de parto” pelos seus “filhos” na fé (cf. Gálatas 4:19). Terríveis dores de parto, nada comparado às dores de cabeça pastorais! Horatius Bonar cita em seu livro vários ensinamentos dos servos bons e fiéis, como John Owen: “Servos são raramente honrados com sucesso a menos que eles estejam CONTINUAMENTE almejando a conversão de pecadores”. Hoje, ironicamente, o que vemos? Ministros “decretando” riquezas, curas, sucessos amorosos, etc., ao invés de determinarem resolutamente confrontar todo tipo de dificuldade para ganhar almas! Esta é a marca da Igreja individualista e hedonista de hoje!

O objetivo maior não deve ser encher a Igreja, mas encher a Cristo de alegria. “Muito bem, servo bom e fiel”, quem ouvirá estas palavras? O que deve ser feito, então? Pregue e viva a Palavra! Pregue o Evangelho da graça de Deus ou não pregue nada! Como disse Bonar: “Todas as outras coisas são nada mais que elementos narcotizantes, drogas e charlatanices”.

Richard Baxter dizia que raramente descia do púlpito sem que a sua consciência o ferisse por não ser cuidadoso e fervoroso como devia. A grande questão que ele levanta é: como um pregador pode falar da vida e da morte com frieza? Como falar de Céu e Inferno com desinteresse e sonolência? Como falar da Cruz de Cristo e ao mesmo tempo fazer a audiência se sentir confortável?

Bonar chama o ato de “orar pouco” e ser carente de momentos a sós com Deus de “sistema falho, miserável e anti-bíblico”. O ativismo da vida cristã muitas vezes é uma armadilha que enfraquece a santidade pessoal. O autor lembra que Cristo levantava-se de madrugada e se dirigia para um lugar solitário. Quão diferente somos do nosso Mestre, principalmente nos dias atuais, tão corridos! “Devoção é a vida da religião, a alma da piedade, a mais sublime aplicação da graça”, disse o Bispo Hall. Quantas vezes o serviço devocional numa igreja é antecedido por três minutos de oração e só! Não há preparação, e então nos tornamos fracos!

“Comunhão com Deus”, “andar com Deus”, parecem palavras batidas e vícios de linguagens dos evangélicos, mas na prática tais atos trazem uma profunda transformação e capacitação para a vida cristã. Nada mais será útil sem andar com Deus. Como enfatiza Bonar: “Nem ortodoxia, nem erudição, nem eloqüência, nem poder de argumentação, nem zelo e nem fervor. É uma vida íntima com Deus que dá poder às nossas palavras…” (…) “Nosso poder para atrair homens a Cristo brota principalmente da plenitude do nosso regozijo pessoal nEle, e da proximidade da nossa comunhão com Ele.” Em outras palavras, a humanidade decaída está ofuscada pelas luzes do mundo, e nada menos que um semblante que reflete Cristo e reluz graça pode atrair e conquistar as almas perdidas.

Leia com atenção as palavras de nosso irmão: “A nossa posição é tal que não nos permite uma neutralidade. A nossa vida não pode ficar numa obscuridade inofensiva. Ou nós repelimos ou atraímos, salvamos ou arruinamos vidas! Quão altissonante então, a chamada; quão forte, o motivo para uma vida de espiritualidade! Quão solene o aviso contra o mundanismo e a vaidade, contra a leviandade e a futilidade, contra a negligência, preguiça e contra um formalismo gélido”. Ser instrumento para salvar vidas é algo maravilhoso, mas não virá a ser eficaz com os nossos braços e pernas cruzados!

Deus não nos chamará de servo bom e fiel pela quantidade de tinta gasta nos livros de atas da igreja, mas pela motivação dos nossos atos e pelo caminhar com Ele. Senhor dá-nos corações abrasados; sabedoria para “ganhar almas”; vigor para proclamar as Boas Novas; audácia para avisar os ouvintes para fugirem da ira vindoura! Que Deus conceda através desta leitura uma auto-avaliação séria e profunda, como exortou Bonar: “Se é que há um momento para uma introspecção profunda e um reconhecimento honesto da nossa infidelidade, esse momento vem quando Deus está nos visitando, e é AGORA.” Isto me faz suspirar, caro leitor.

Triste coisa é saber que pregamos discursos admirados e elogiados, mas tais não foram usados pelo Espírito Santo e, portanto, não significaram nada de produtivo para o Reino. Ó Senhor, fere a nossa consciência para que sejamos realmente pessoas piedosas e de oração. Como anda a sua temperatura espiritual quando se depara com as almas perdidas? O quanto tem se importado? O quanto tem chorado? Podemos dizer olhando no espelho que vivemos unicamente para a glória de Deus e para a salvação de almas? Pelo menos, tais questionamentos causam temor ou são irrelevantes? “Oh”, como clamou Bonar, “por apenas um dia de Whitefield outra vez!”. Este é o seu desejo?

Não há como evangelizar o mundo sem fazer nada. Você até pode dizer que crê piamente na soberania de Deus, e que Ele é quem faz toda obra e trará todos os seus eleitos; que não precisa de ninguém para realizar sua obra de salvação. De certa forma, se você pensa assim, está certo. Mas submeter-se à soberania de Deus requer atitudes sacrificiais. Nosso modelo é Cristo, e em tudo Ele se submeteu ao Pai. Submissão à soberania de Deus implica em renúncia da própria vontade, e tal renúncia só acontece através das provações. E renúncia e sacrifício são as palavras que a igreja hedonista menos quer ouvir e praticar. Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração (Lucas 12:34).

Oh, Senhor, que não sejamos moralistas religiosos limitados às formalidades e deveres, sem ir além disso! Dá-nos a graça! É muito interessante um raciocínio desenvolvido após a leitura parcial deste livro de Bonar: se o nosso coração pode ficar indiferente à salvação de nossas próprias almas (e muitas vezes é isto que acontece!), o que diremos da salvação de outras pessoas?

Terrível coisa é um coração indiferente à salvação das almas! Isto me faz repensar todo o meu cristianismo.

Irmãos e irmãs, reflitam seriamente nas palavras do autor: “Aquele que salvou as nossas almas nos ensinou a chorar pelos que ainda estão perdidos. Senhor, faça com que a nossa mente seja igual à Tua: ponha em nossos olhos as Tuas lágrimas, porque os nossos corações estão endurecidos; porque embora vejamos milhares de pessoas que perecem ao nosso redor, nós ainda conseguimos dormir bem durante a noite, sem que a visão do terrível final que os aguarda nos alarme, e sem que o choro dessas vidas transforme a nossa paz em amargura”.

Senhor, tenha misericórdia de nós! “Que mistério é este! A alma e a eternidade de um homem dependem da voz de outro homem!”.

Soli Deo Gloria

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