Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim.    

João 15:26 

INTRODUÇÃO

Os capítulos 14 a 16 do Evangelho de João são um dos mais belos trechos do Novo Testamento. “Estes capítulos, em que João narra as cenas finais do ministério terrestre de nosso Senhor, contêm maravilhosas e confortadoras palavras de conselho.”1 Neles, Cristo faz à Sua Igreja a promessa de enviar o Consolador, o “Espírito Santo da verdade”, a fim de guiá-la e confortá-la, após o Seu retorno ao Pai. Os cristãos não teriam de enfrentar o mundo sozinhos, pois contariam com o auxílio de um ajudador divino.2

No texto de João 15:26-27, é declarado que o Espírito Santo testemunharia a verdade sobre a natureza pecaminosa dos homens e sobre Cristo, a solução de Deus para a nossa condição. E, com o poder do Espírito operando neles e através deles (Atos dos Apóstolos 5:32), os seguidores de Jesus também testemunhariam ao mundo.

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Apesar disso, o texto bíblico e o assunto da lição de hoje foram motivos para debates históricos e mesmo divisão na Igreja cristã. Dada a complexidade do tema que iremos estudar, oremos humildemente para que o Espírito Santo nos ensine e testifique ao nosso espírito a verdade das Escrituras.

 

DEFINIÇÃO

De quem o Espírito Santo procedeu: de Deus Pai, de Deus Filho (Jesus Cristo) ou de ambos? Em outras palavras, como podemos tentar explicar, em termos humanos, de que maneira a terceira pessoa da Trindade Se relaciona com o Pai e o Filho?

A resposta a essa pergunta é o que se denomina, em Teologia, de “processão do Espírito Santo”. Houve tanta controvérsia por causa dessa questão que ela acabou resultando no “Grande Cisma do Oriente” em 1054 d.C., onde a Igreja Católica Romana se separou da Igreja Ortodoxa. Passemos agora a uma perspectiva histórica da questão e, a seguir, às bases bíblicas para a doutrina.

HISTÓRIA

No ano 325 d.C., ocorreu o Concílio de Niceia. Nessa reunião de destacados teólogos, a Igreja cristã respondeu aos desafios do herege Ário (que negava a divindade de Jesus, ensinando que Ele era uma criatura), bispo de Alexandria, sistematizando a posição bíblica quanto à pessoa de Cristo. Foi em Niceia onde se cunhou a conhecida expressão de que Jesus é “plenamente Deus, plenamente homem”.

A reunião de Niceia afirmou que Cristo foi “gerado, não criado” pelo Pai, desde a eternidade. Precisamos entender melhor essa sentença. Quando uma pessoa “cria” algo, ela faz algo diferente de si mesmo, da mesma forma que um escultor esculpe uma estátua de algum material. Mas quando alguém “gera”, será outro ser da mesma essência que ele. Jesus ser “gerado do Pai desde toda a eternidade” significava que Ele é plenamente divino e co-eterno com o Pai (embora isso seja de difícil compreensão para a nossa limitada mente humana).

Anos depois, a divindade do Espírito Santo começou a ser questionada por alguns. Mas cabe destacar que já no terceiro século, Sabélio (falecido em 215 d.C.) havia negado a Trindade, ensinando que o Pai, o Filho e o Espírito Santo seriam diferentes formas de manifestação de uma só pessoa divina, ao longo da história.6 Nessa época, Orígenes (184 - 253 d.C.) havia ensinado uma forma da heresia do “Subordinacionismo” (a respeito da essência divina, não da distribuição de papeis): o Pai seria maior em Sua natureza divina que o Filho e o Espírito; e o Filho seria maior que o Espírito.

Para se resolver esse problema, o Concílio de Constantinopla (381 d.C.) declarou que o “Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, procede do Pai; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”. Assim, o Espírito Santo “procedeu eternamente do Pai”, o que também queria dizer que o Espírito Santo existia desde toda a eternidade junto de Deus, o Pai, sendo plenamente divino.

No ano de 589 d.C., ocorreu o Concílio de Toledo (hoje, uma região da Espanha), que acrescentou à declaração a frase “e do Filho”, determinando-se então que o “Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, procede do Pai e do Filho”. A partir dessa adição, surgiu uma polêmica na Igreja para se responder a questão sobre como o Espírito Santo Se relacionava com o Pai e o Filho na eternidade. Na “cadeia de comando” da Trindade (uma distribuição de papeis), o Espírito Santo submetia-Se às ordens de Deus Pai (visão do Cristianismo Ortodoxo, no Oriente), ou às ordens de Deus Pai e Deus Filho (visão do Cristianismo Católico e, posteriormente, também Protestante)? A questão (aparentemente sem grande significância) somou-se a outras questões políticas, causando a já referida divisão entre o Cristianismo do Ocidente e do Oriente, em 1054 d.C.

ESCRITURAS

Embora as pessoas da Trindade compartilhem todos os Seus atributos divinos9, ainda assim diferem nas Suas relações umas com as outras e com a criação. O Filho e o Espírito Santo, apesar de serem iguais ao Pai em divindade, cumprem papeis subordinados a Ele.10 É para isso que apontam as formulações históricas de que o Filho foi “gerado do Pai antes de todas as eras” e que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho”. Vemos também essa conclusão nas “fórmulas triádicas”, em que as três pessoas da Trindade aparecem em diferentes ordens: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Mateus 28:19); o Pai, o Espírito Santo e o Filho (1 Pedro 1:2); o Filho, o Pai e o Espírito Santo (2 Coríntios 13:1311); o Espírito Santo, o Filho e o Pai (1 Coríntios 12:4-6); o Espírito Santo, o Pai e o Filho (Judas 20).

Apesar de João 15:26 declarar que o Espírito “procede do Pai”, essa declaração não nega que Ele procede também do Filho (como João 16:7 claramente afirma). Primeiramente, que o Espírito Santo procede de Deus o Pai é visto por textos em que Ele recebe os títulos de “Espírito do Senhor” (Isaías 11:2), “Espírito de vosso Pai” (Mateus 10:20) e “Espírito de Deus” (Gênesis 1:2, Romanos 8:9).

Que o Espírito Santo também é enviado por Cristo é justificado por textos como João 14:16 (onde o Espírito é enviado a pedido de Cristo) e verso 26 (onde o Pai envia o Espírito Santo em nome de Cristo) e 15:26 (onde Cristo envia o Consolador da parte do Pai). O Espírito é chamado “Espírito de Cristo” (Romanos 8:9, 1 Pedro 1:11), “Espírito de Jesus Cristo (Filipenses 1:19) e “Espírito de Seu Filho” (Gálatas 4:6), para destacar a relação de Cristo com o Espírito Santo. Cristo declarou que o Espírito não falaria nada de Si mesmo (João 16:13), mas apenas declararia tudo aquilo que tivesse ouvido (do Pai e do Filho). Existe uma certa ordenação na Trindade, mas nenhum isolamento de uma pessoa da outra.

Podemos entender melhor a relação entre as três pessoas da Trindade conforme o gráfico a seguir:

Mas isso não significaria então que o Espírito Santo seria inferior a Deus Pai e Deus Filho, e Cristo inferior a Deus Pai? Nas palavras do teólogo Batista Wayne Grudem:

“Por fim, pode-se dizer que não existem diferenças em divindade, atributos ou natureza essencial entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Cada pessoa é plenamente Deus e tem todos os atributos de Deus. As únicas distinções entre os membros da Trindade estão nas formas como se relacionam uns com os outros e com o restante da criação. Nessas relações eles desempenham papéis apropriados a cada pessoa.”

Também o teólogo Presbiteriano Charles Hodge (1798-1878) explica que

“Os termos Pai, Filho e Espírito Santo, como aplicados às pessoas da Trindade, são relativos. As relações que expressam são mútuas, ou seja, relações nas quais as diferentes pessoas mantêm umas com as outras. A Primeira Pessoa é chamada Pai não por causa da relação com Suas criaturas, mas por causa de Sua relação com a Segunda Pessoa. A Segunda Pessoa é chamada Filho não por causa de alguma relação assumida no tempo, mas por causa de Sua eterna relação com a Primeira Pessoa. E a Terceira Pessoa é chamado Espírito por causa de Sua relação com a Primeira e a Segunda Pessoa.”

Não devemos pensar, porém, que o Espírito Santo não age voluntariamente em favor da salvação do homem. Assim como Cristo foi enviado pelo Pai (João 3:16) e ao mesmo tempo veio ao nosso mundo de Sua própria vontade, o mesmo pode ser dito quanto ao ministério do Espírito Santo.

Sua submissão [de Cristo] foi assumida voluntariamente para a nossa salvação, o que explica que quando entramos nesse relacionamento no Espírito Santo experimentamos a liberdade de sermos filhos, e não as restrições impostas aos servos ou escravos. Ainda é verdade, claro, que Ele foi enviado pelo Pai e que Ele obedeceu à vontade do Pai, mas isso foi por escolha e não por compulsão. Aplicando o mesmo princípio ao Espírito Santo, devemos concluir que, embora Ele também tenha sido enviado ao mundo pelo Pai e pelo Filho, Ele veio voluntariamente. Como Ele seria capaz de nos dar a liberdade de filhos se Ele mesmo não gozasse dessa liberdade?”

 

CONCLUSÃO

Como Louis Berkhof afirmou, “a Trindade é um mistério que ultrapassa sobremodo a nossa compreensão. É a incompreensível glória da Divindade”. Nunca poderemos compreender o ser de Deus plenamente. Ele é infinito, nós, finitos e limitados.

Mas podemos nos alegrar em saber que Cristo cumpriu a Sua promessa de enviar outro Consolador, que deveria tomar o Seu lugar como nosso professor, ajudante e protetor, e assim suprir na Igreja a carência de Sua presença física, enquanto peregrinamos nesse mundo. “Na ascensão de Cristo, o Pai e o Filho encarregaram a terceira pessoa da Divindade, o Espírito Santo, de ser Seu único agente divino e terrestre de convicção, conversão, conforto e capacitação daqueles que são responsivos às iniciativas salvadoras de Deus através de Cristo.”

O Filho Se submete ao Pai na encarnação, e o Espírito é submisso ao Pai e ao Filho. A visão da entrega e subordinação entre os membros da Trindade deveria ter implicações éticas em nosso modo de vida. Assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo, embora iguais em Sua vontade, poder e glória, cooperam entre Si para alcançar Seu propósito de amor, assim não deveríamos buscar a nossa autogratificação, mas manifestarmos ao mundo uma experiência de amor e serviço pelo próximo, “nada fazendo por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerando os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se.” (Filipenses 2:3-6)

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

  1. Explique qual a diferença teológica quanto ao Espírito Santo que levou à separação histórica entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa.

R.

 

  1. O que foi a heresia do “subordinacionismo”, ensinada por Orígenes?

R.

 

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  1. Leia os capítulos 14 a 16 do Evangelho de João e anote todos os verbos atribuídos ao Espírito Santo. Que papeis o Espírito Santo realiza entre os cristãos e os não-cristãos?

R.

 

  1. Apresente evidências bíblicas de que o Espírito Santo procede tanto do Pai quanto do Filho.

R.

 

  1. Em 1 Coríntios 11:3, Paulo declarou: “Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.” Como o conceito de que os membros da Trindade são iguais entre si mas desempenham papeis distintos ilumina a questão sobre a distribuição de papeis no casamento/família?

R.

 

  1. Como o conceito de que os membros da Trindade são iguais entre si, mas desempenham papeis distintos ilumina a questão da distribuição de diferentes dons e ofícios entre os membros da Igreja?

R. 

 

 

1 WHIDDEN, Woodrow; MOON, Jerry; REEVE, John W. A Trindade. Como entender os mistérios da pessoa de Deus na Bíblia e na história do Cristianismo. Tatuí: CPB, 2011. p. 80-81.

2 A doutrina católica de que o papa é o “vigário” ou “representante” de Cristo é uma deturpação do papel bíblico do Espírito Santo.

3 ERICKSON, Millard J. Dicionário Popular de Teologia. São Paulo: Mundo Cristão, 2011. p. 160.

4 GARLOW, James L. Deus e Seu Povo. A História da Igreja como Reino de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p. 49-51.

5 É importante relembrar que a doutrina trinitária não foi uma invenção do Concílio de Niceia, apesar do que alguns grupos antitrinitários (como os Testemunhas de Jeová) afirmam. Há claras evidências da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo anteriores ao quarto século. Para uma análise mais completa dessa questão, consulte BUSENITZ, Nathan. Did Constantine Invent the Trinity? The Doctrine of the Trinity in the Writings of the Early Church Fathers. The Master’s Seminary Journal, v. 24, n. 2, p. 217-242, 2003.

6 ERICKSON, Millard J. 2011. p. 173. Essa heresia, conhecida como Sabelianismo, Unicismo ou Monarquianismo ainda é ensinada em algumas igrejas pentecostais nos Estados Unidos.

7 KELLY, J. N. D. Patrística. Origem e Desenvolvimento das Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 98.

8 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Atual e Exaustiva. Nova Edição com Índices. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 181.

9 Para uma análise mais detalhada da evidência bíblica para a doutrina da Trindade, consulte LOVATO, Fabricio Luís. “A Triunidade”. In: SILVA, Jarbas João da Silva (Org.). Declaração de Fé Batista do Sétimo Dia. Um Guia de Estudos. Curitiba: Conferência Batista do Sétimo Dia, 2018. p. 15-25.

10 A Teologia utiliza os termos “Trindade ontológica” para se referir às qualidades divinas de cada pessoa, e “Trindade econômica” para se referir à distribuição de papeis entre as pessoas da Trindade.

11 Ou verso 14, dependendo da versão bíblica utilizada.

12 SMEATON, George. The Personality and the Procession of the Holy Spirit. Reformed Perspectives Magazine, v. 9, n. 31, julho – agosto de 2007.

13 GRUDEM, Wayne. 2012. p. 185.

14 HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 354.

15 BRAY, Gerald. The Double Procession of the Holy Spirit in Evangelical Theology Today: Do We Still Need It? Journal of the Evangelical Theological Society, v. 41, n. 3, p. 415-426, 1998.

16 WHIDDEN, Woodrow; MOON, Jerry; REEVE, John W. 2011. p. 313.

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