Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação.    

2 Pedro 1:20 

INTRODUÇÃO

   Um dos pontos mais marcantes da reforma protestante é o princípio Sola Scriptura (Somente as Escrituras), princípio este que defende que somente as Escrituras são a Palavra de Deus e, portanto, a única regra infalível para a vida e doutrina. Nós Batistas do Sétimo Dia também seguimos este mesmo princípio, pois cremos que a Bíblia é nossa única regra de fé e prática e que ela é autoridade máxima e exclusiva sobre nossas vidas. Todavia, não é sufi ciente aceitar a autoridade da Bíblia, ela precisa ser adequadamente utilizada e apropriada. Para isso valemo-nos da interpretação das Escrituras. Não basta apenas saber que temos o melhor livro de todos, precisamos entender a real mensagem que ele nos transmite. Por isso, para o momento, vamos considerar alguns pontos básicos no que se refere a interpretação da Bíblia.

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HERMENÊUTICA E EXEGESE

   Uma das primeiras ciências que o intérprete da Bíblia deve conhecer é certamente a hermenêutica. Mas o que seria isto? De forma simplificada podemos dizer que a hermenêutica é “A arte de interpretar textos”. A hermenêutica tem por objetivo investigar e coordenar de modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das palavras e a restauração do conceito orgânico dos termos para efeito de sua aplicação e interpretação. É muito importante considerar a hermenêutica como um processo que inclui, além da compreensão e interpretação do texto, também sua aplicação.

   Na bíblia, a exegese é o estudo da interpretação gramatical e sistemática das Escrituras Sagradas. Uma boa exegese bíblica considera os idiomas originais bíblicos, como o grego e o hebraico. A finalidade da hermenêutica bíblica é auxiliar o obreiro, e a qualquer estudante da Bíblia a usar os métodos de interpretações confiáveis, além de estabelecer os principais fundamentos da exegese bíblica como base para o estudo do texto na sua diversidade linguística, cultural e histórica.

   Não se preocupar com estes princípios de interpretação pode fazer com que o leitor da Bíblia faça uma incorreta interpretação do texto Sagrado e por fi m possa até deturpá-lo. A interpretação equivocada das Sagradas Escrituras não é um problema atual em nossos dias, na era apostólica esse problema já ocorria como vemos nas palavras do apóstolo Pedro em sua segunda carta: “E tende por salvação a longanimidade de nosso senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição”. (2 Pedro 3:15-16 grifo nosso) Neste caso percebemos que muitos estavam interpretando de forma equivocada, tanto os escritos paulinos como as demais Escrituras Sagradas.

 

INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

   A Bíblia não é um livro de biologia, matemática ou história. Mesmo que em seu conteúdo encontremos as ciências acima citadas e outras mais, a Bíblia é um livro de fé, é a Palavra de Deus. Contudo, podemos assegurar que a Bíblia também é um produto histórico. Embora, quanto à sua origem final e conteúdo essencial, ela seja divina, foi escrita por homens, em línguas humanas e em condições humanas. Portanto, ela deve ser interpretada com subsídios semelhantes e com a utilização de alguns dos mesmos princípios que os outros livros da antiguidade

   Visto que a Bíblia se originou em um contexto histórico peculiar a cada momento e período em que foi escrita, ela só pode ser entendida com mais exatidão e de uma forma mais completa quando este contexto é estudado. Por isso, de alguma forma, nós precisamos sair da pele de homem moderno e nos identificarmos com a vida e os sentimentos das épocas bíblicas. Valendo-se da boa hermenêutica bíblica e suas ferramentas, a interpretação histórica considera alguns fatores importantes. Vejamos:

 

1.O AUTOR:

   Na interpretação histórica de um livro, é natural que se pergunte antes de tudo sobre o autor do livro. Não consiste em apenas saber quem escreveu o livro, mas sua personalidade seu pensamento, sua família, o lugar onde nasceu etc. Por isso, a melhor maneira de se compreender os escritores bíblicos é através do estudo diligente dos seus escritos. Por exemplo, aquele que deseja conhecer Moisés (autor dos cinco primeiros livros da Bíblia), deve estudar o Pentateuco, especialmente os últimos quatro Livros. Para conhecer sobre Paulo será necessário ler a sua história, descrita não apenas nas epístolas paulinas, mas conforme descrita por Lucas no livro dos Atos. A familiaridade com o autor do Livro irá facilitar a compreensão apropriada do Livro.

 

2.CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS DO AUTOR:

   Em seu esforço para compreender a mensagem do autor, o intérprete deve familiarizar-se com as circunstâncias históricas em que viveu o autor. Elas são de caráter geral, mas são essenciais para se obter o conhecimento do ambiente cultural da época, sem o qual a interpretação será prejudicada. As circunstâncias políticas, sociais e religiosas devem ser objeto de estudo do intérprete.

 

3,CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES AOS LIVROS:

   Além das circunstâncias gerais da vida do autor, há outras mais de caráter especial que influíram os seus escritos diretamente. Interpretação apropriada dos Livros, naturalmente, requer que se dê importância a outros fatores como:

• Os leitores e ouvintes originais: ou seja, qual o público original. A condição dos leitores não somente determina o caráter geral do livro, como também explica muitas de suas particularidades. A familiaridade com os leitores originais iluminará, muitas vezes, as páginas de um livro.

• O propósito do autor: É importante também saber o motivo que levou o escritor bíblico a escrever o Livro. Quais os propósitos do autor em escrever o Livro? Por que foi ele escrito?

 

4.DATA DA COMPOSIÇÃO DOS LIVROS:

   Quando se é possível estimar a data em que o livro foi escrito, a interpretação do texto fará mais sentido. Por exemplo: por que o Evangelho de João não relata a queda de Jerusalém e a destruição do templo como os demais evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas)? Para solução desta questão é inevitável saber a data em que o evangelho joanino foi escrito. Estima-se que este evangelho foi escrito ente 70 e 100 d.C., ou seja, num período pós a queda de Jerusalém e destruição do templo. Por isso, João não se preocupou em escrever sobre algo que já havia ocorrido.

 

5.OUTROS ELEMENTOS BÁSICOS:

   O intérprete deve estudar a geografia bíblica. Informações sobre montanhas, rios, planícies, colheita, flora, fauna, estações e clima. O Intérprete precisa estudar também a história bíblica. Cada evento na Escritura não só tem uma referência geográfica como também uma referência histórica.

   O intérprete deve estudar em conjunto a isso a cultura bíblica. A palavra “cultura” é aqui empregada no sentido estritamente antropológico. Os antropologistas dividem a cultura de um povo em “cultura material” e “cultura social”. A cultura material refere-se às coisas: ferramentas, objetos, armas, casas, vestes, etc. A cultura social refere-se aos costumes, práticas, ritos, etc.

 

INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL

   A palavra “texto” significa “tecido”, e “contexto” é tudo o que vem entretecido ou com o texto. Quase sempre os erros de doutrinas são cometidos devido ao descaso que se faz com o contexto. É muito comum as pessoas extraírem o texto esquecendo-se do seu contexto. Há uma premissa, que verdadeira, que diz: “Quem usa o texto sem o contexto, quer um pretexto”. Podemos observar que as seitas falsas usam sempre deste artifício para basearem suas ideias e heresias. O contexto na interpretação bíblica está divido em dois modos:

• Contexto interno: o contexto interno considera dois momentos. Em primeiro lugar ele é imediato, ou seja, ocorre no seguir do próprio texto estudado, como o próprio termo diz ele é imediato, está nitidamente contido no trecho lido. Em segundo lugar, no que ainda se refere ao contexto interno, temos o contexto remoto, que inclui não só o conteúdo imediato do texto estudado, mas podendo abranger todo o livro em que o texto se encontra e muitas vezes podendo ser interpretado a luz de toda a Bíblia.

• Contexto externo: o contexto externo vai além do que o texto bíblico nos fornece. A história universal pode nos fornecer dados importantes para entendermos o texto. Por exemplo: o que se passou no período inter-bíblico (período entre o Antigo e o Novo Testamento) pode fornecer um melhor entendimento sobre os fariseus, saduceus, essênios, etc.

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O contexto externo está muito ligado com a interpretação histórica, que vimos anteriormente, pois este considera a cultura dos povos da época em que foi escrito o livro, a geografia e as línguas faladas em cada época da compilação de cada escrito bíblico.

 

EXERCÍCIO PRÁTICO

   Vamos agora propor um exercício prático utilizando os recursos da interpretação bíblica. O texto proposto é Mateus 5:27-30.

   “ouvistes que foi dito aos antigos: não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o teu corpo lançado no inferno”.

   Para interpretação deste texto, precisamos considerar algumas questões: Quem está falando? Para quem está falando? Qual a localização geográfica em que o evento ocorreu? Qual o tema abordado? Qual o significado das palavras? Qual o propósito da mensagem? Qual o contexto imediato e externo? Ao responder estas perguntas e outras mais que se fi zerem necessárias o leitor poderá interpretar de uma forma adequada o texto podendo pregá-lo e aplicá-lo de uma forma saudável verdadeira e coerente. Vejamos algumas informações importantes sobre este texto para que possamos interpretá-lo da forma correta, vejamos:

• Quem proferiu estas palavras: Jesus • Público alvo: os discípulos e as multidões (5.1)

• Local: A planície de um monte (5.1)

• Objetivo: Fazer uma abordagem dos ensinos do Antigo Testamento e das tradições judaicas (“ouviste o que foi dito aos antigos” 5:17-20; 21, 27,31,33, 38,43) com sua correta aplicação.

• Tema: para este trecho refere-se ao pecado do adultério.

• Aplicação: o pecado do adultério é mais do que apenas o ato consumado. Os judeus só julgavam adultério o ato consumado e que fosse provado por pelo menos duas testemunhas.

• Significado de algumas afirmações: aparece no texto “olho direito” e “mão direita”. Qual o significado disso? Na cultura judaica o lado direito era mais importante (valioso) que o esquerdo. Pessoas canhotas eram consideradas inferiores.

• Informações adicionais: Jesus faz o uso de hipérboles: “arranque-o e jogue fora” e “corte-a e jogue fora”, para exemplificar a seriedade e radicalismo que deve se comportar o cidadão do reino diante do pecado.

• Contexto imediato: o trecho estudado (5:27-30) é uma introdução para o tema que vem na sequência: divórcio (5:31-32).

 

APLICAÇÃO

   O objetivo desta lição é fazer-nos refletir sobre a importância da interpretação Bíblica. Afinal, não basta apenas saber que a Bíblia é a Palavra de Deus, nós precisamos saber a forma correta de interpretar esta Palavra para podê-la compreender da forma correta e assim agradar a Deus da forma que Ele espera e poder pregar Sua Palavra sem cometermos equívocos. Para tal, não se faz necessário fazer um curso de teologia a fi m de alcançar este objetivo, mas precisamos em primeiro lugar buscar a direção do Espírito Santo, sem Ele não há uma interpretação que seja segundo a vontade de Deus. Em segundo lugar é necessário investir tempo na leitura bíblica procurando as referências cruzadas. Se possível, investir em materiais que podem auxiliar na interpretação histórica e contextual da Bíblia. Hoje temos uma gama muito grande de Bíblias de estudo e comentários bíblicos confiáveis, acessíveis a qualquer pessoa. Seja sincero na mensagem que o texto propõe, não use o texto com pretexto de forçar um tema pré-definido, mas procure o tema que o texto propõe.

 

CONCLUSÃO

   Acima de toda e qualquer afirmação sobre interpretação Bíblica valemo-nos da regra de ouro: “A Bíblia é sua própria intérprete”. O próprio Jesus Cristo aplicou este princípio quando, começando com os escritos de Moisés e continuando por todo o resto do Antigo Testamento, “explicava-lhes [aos discípulos] o que d’Ele se achava em todas as Escrituras” (Lucas 24:27). O Mestre também disse ainda: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” (João 5:39). Que nós possamos com muito temor, respeito e cuidado examinar com seriedade cada texto bíblico, valendo-nos da boa e sincera interpretação a fi m de compreender, pregar, viver e ser a Palavra viva.

 

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO EM CLASSE

1. Qual a importância da Hermenêutica e Exegese na interpretação dos textos Bíblicos?

R.

2. Cite alguns fatores que devem ser considerados na interpretação histórica do texto bíblico. Como estes fatores ajudam na interpretação do texto bíblico? Cite alguns exemplos.

R.

3. Quais os dois tipos de contextos que devem ser considerados na interpretação Bíblica?

R.

4. Como podemos nos aperfeiçoar no objetivo de interpretar melhor a Palavra de Deus?

R.

5. Faça um exercício prático com a classe. Use as ferramentas da Interpretação bíblica para interpretar o texto de Efésios 6:10-20. Considere o contexto imediato e externo bem como a interpretação histórica do texto. Busque a aplicação considerando o autor, os leitores e a igreja moderna.

R.

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