SENHOR, quem habitará no teu tabernáculo? Quem morará no teu santo monte?

Salmos 15:1 

Assim como para a maioria dos cristãos, o livro dos “Salmos” é um dos meus favoritos. Nele podemos encontrar algo com que nos relacionemos em todas as circunstâncias e estações da vida. Talvez, por isso os Salmos sejam, provavelmente, os escritos sagrados mais lidos.

No Salmos 15 encontramos preciosas lições sobre o caráter e o perfil do verdadeiro cristão. Devemos lembrar que, como cristãos, temos uma dupla cidadania: uma, terrestre; e outra, celestial. Este texto da Sabedoria é um comentário sobre a obrigação do homem para com Deus e para com o seu próximo. Trata das qualificações morais e éticas necessárias ao cidadão dos céus e que o admitem à presença de Deus.

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De autoria de Davi, não tem dedicatória indicando a ocasião em que foi escrito, mas é muitíssimo provável que, junto ao Salmos 24 com o qual possui marcante semelhança, sua composição tenha sido ligada à remoção da Arca para o Monte, santo, Sião. Cuidar da arca, não era assunto insignificante. Transportá-la também não. Davi não pôde, na primeira ocasião, completar seu propósito de levar a arca para Sião. Na segunda tentativa, ele foi mais cuidadoso; não só passando o encargo para os levitas conforme divinamente foram nomeados (1 Crônicas 15:2), mas também o deixando sob responsabilidade do homem cuja casa o Senhor havia abençoado (Obede-Edom). Este, com os muitos filhos, ministrou na casa do Senhor (1 Crônicas 26:8-12). Espiritualmente, temos uma descrição de homem perfeito e que habitará a casa do Senhor para sempre. Ele é essencialmente Jesus; e, Nele, são feitos justos todos aqueles que, pela Graça, são conformados à Sua imagem.

UMA PERGUNTA PERTINENTE

O Salmo em apreço segue um padrão de “pergunta e resposta”, e pode ter como modelo o que acontecia em certos santuários do mundo antigo, com o adorador perguntando as condições de admissão; e o sacerdote, dando a resposta. Entretanto, a resposta esperada devia ter sido uma lista de exigências rituais (cf. Êx 19:10-15; 1 Samuel 21:4-5), mas a resposta do Senhor, de modo notável, examina a consciência. O mesmo ocorre no Salmos 24:3-6 e em Isaías 33:14-17, cujo clímax magnífico antecipa de perto, como também faz esse texto, a bem-aventurança com respeito aos limpos de coração.

Davi estava, provavelmente, em atitude de oração ao ser levado a perguntar a Deus: “Senhor, quem habitará no teu tabernáculo?” (v.1). Assim, o salmista obteve mais do que uma resposta para si mesmo; conseguiu uma revelação das qualidades necessárias a todos que são chamados por Deus. Quem habitará no tabernáculo de Deus? O autor conhecia o tabernáculo terrestre, que fora construído no deserto. Era um lugar santo; ali, manifestava-se a presença divina. Davi também sabia da existência de um tabernáculo melhor, eterno, nos céus. Mas pretendia saber quem seriam os seus habitantes.

“Senhor, quem pode habitar em teu santuário? Quem pode viver em teu santo monte?” As duas sentenças são claramente usadas em mútuo paralelo. São empregados verbos diferentes (“habitar” e “viver”); dadas duas descrições distintas do lugar de habitação de Deus (“santuário” e “santo monte”). O monte do Senhor foi expresso no Cântico de Moisés (Êx 15:17). Quando Davi capturou o monte (2 Samuel 5:7), fixou residência ali e trouxe para habitar a Arca do Senhor. Os adoradores indagam, nesse texto, quem poderia permanecer como o convidado do Senhor.

O verbo “habitar” não indica apenas a habitação temporária (conforme seu uso no Salmos 61:4), mas algo permanente. “Viver” é o termo usado para morar numa tenda, e dele derivou um dos nomes para o tabernáculo (mishkan). A palavra tabernáculo dá duas ideias: de adoração formal e sacrifício (Êx 29:42), enfatizada pela frase, teusantomonte; e a outra, de simples hospitalidade, trazida pelas palavras habitará (será hóspede, RSV) e morar. Os Salmos, frequentemente, unem os dois sentidos, caracterizando o adorador como um hóspede ansioso. Dessa forma, sua peregrinação é uma vinda ao lar. Assim estamos nós, cristãos - peregrinos neste mundo, ansiosos por adentrarmos no nosso verdadeiro lar.

Do começo ao fim desse Salmo, o foco está na comunhão permanente com Deus. Diferente das atitudes comuns de pessoas que querem solicitar a ajuda divina em momentos difíceis, e ignorar seu criador durante a maior parte do tempo, o desejo de Davi foi de permanecer na presença de Deus. Assim deve ser o nosso proceder também.

A RESPOSTA ESCLARECEDORA

A resposta vem em um padrão de dois grupos de condições positivas, com dois grupos correspondentes de condições negativas. Vejamos:

 

Positivas

Negativas

Versículo 2a

Versículo 2b

Versículo 2c

Versículo 3a

Versículo 3b

Versículo 3c

Versículo 4a

Versículo 4b

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Versículo 4c

Versículo 5a

Versículo 5b

 

O primeiro grupo de condições positivas não inclui requisitos sacrificiais, nem qualquer dos outros (v. 2). A concentração está nas características morais. A primeira, andando irrepreensivelmente, é, em teoria, sinônimo de ser piedoso, e fala da totalidade da pessoa. A segunda começa de forma mais específica, demandando ações justas, enquanto a terceira requer linguagem fidedigna.

As condições negativas vêm em seguida (v.3). A primeira implica qualquer uso errôneo de sua língua. Literalmente, é: “aquele que não comete espreita com [ou, possivelmente, tropeça com] sua língua.” Sem qualquer dano a seu vizinho, sem escárnio com as faltas ou situações de seus amigos (ou, possivelmente, relações).

O segundo grupo de condições positivas inclui honrar aos que temem a Deus (v. 4). Assim, as atitudes espirituais são importantes no adorador. A terceira condição, nesse versículo, é difícil de traduzir-se e de interpretar-se. A tradução da Nova Versão Internacional é uma possibilidade. É igualmente possível que signifique “embora jure com dano seu, não muda”, isto é, ele mantém sua palavra empenhada sem qualquer alteração.

As duas condições finais são negativas, e ambas se relacionam ao dinheiro (v. 5a). Era proibido a um israelita emprestar com juros a um concidadão israelita (Levíticos 25:36-37; Deuteronômio 23:19). Não obstante, era permitido a um estrangeiro (Deuteronômio 23:20). Além disso, não se podia aceitar suborno para garantir a convicção do inocente (cf. Êx 23:8; Deuteronômio 16:19). É possível que algumas passagens nos livros proféticos, como Isaías 33:14-16 e Miquéias 6:6-8, intensifiquem tais condições dadas nos versículos 2-5a.

QUALIDADES DO CIDADÃO CELESTE

No Salmo em estudo, encontramos 11 qualidades que indicam o perfil do verdadeiro cidadão dos céus.

Qualificações diante de Deus (v. 2)

  1. Anda em sinceridade. Eis uma qualidade do verdadeiro cidadão dos céus, demonstrada, primordialmente, diante de Deus. Em Gênesis 17:1 o Senhor ordenou a Abraão: “...anda na minha presença e sê perfeito”. Isso equivale a ser íntegro diante d’Ele. A palavra hebraica para integridade é tamin, significando que o indivíduo íntegro é quem diz o que faz e faz o que diz (Tiago 2:12). O apóstolo Paulo faz idêntica exortação: “Procura apresentar-se diante de Deus aprovado” (2 Timóteo 2:15).
  2. Pratica a justiça. A justiça emana de Deus. O cristão só consegue viver bem diante do Senhor se tiver a justiça divina. Noé foi um exemplo de homem assim; a retidão fazia parte de seu cotidiano (Gênesis 6:9). Davi conhecia a Deus como o verdadeiro Pastor, pois somente Ele pode nos guiar pelas veredas da justiça (Salmos 23:3b).

Qualificações diante dos homens:

As qualificações referem-se ao comportamento, ou conduta ética, do cidadão dos céus diante dos homens, sendo eles salvos ou não. Refletem o caráter ideal dos filhos de Deus. Tais qualidades podem servir de parâmetro para nossa autoavaliação.

  1. Fala a verdade. O cidadão dos céus chegou a essa condição porque, um dia, creu na verdade (João 14:6b). Ele foi liberto pela verdade (João 8:32). Passou a adorar a Deus “em espírito e em verdade” (João 4:24). Foi santificado pela presença de Deus em sua vida. Em consequência, tem como característica básica ser pessoa que só fala “verazmente segundo o seu coração” (v. 2b).
  2. Não difama o próximo (v. 3a). Difamar vem do latim (diffamare), significando “tirar a boa fama ou o crédito”, falar mal de alguém. O filho de Deus, os chamados por Deus, os eleitos, não agem assim. Se ele não puder falar bem do próximo, não há de falar mal. Tiago exorta que não difamemos uns dos outros (Tiago 4:11).
  3. Não faz mal ao próximo (v. 3b). Fazer mal é próprio dos malignos, dos maldosos, dos ímpios, que “...não dormem se não fizerem o mal, e foge deles o sono se não fizerem tropeçar alguém” (Provérbios 4:16). O cristão demonstra, em todos os aspectos da vida, cultivar a benignidade, qualidade daquele que só faz o bem. Fazer o mal, no texto, tem um sentido amplo: refere-se a qualquer tipo de atitude que venha a prejudicar o próximo, em qualquer circunstância, quer no aspecto moral, quer no social, quer no espiritual ou físico. Quem faz o mal colherá o fruto do que anda semeando (Gálatas 6:7).
  4. Não aceita afronta contra o próximo (v. 3c). Afronta quer dizer ofensa, ultraje, humilhação, de modo agressivo, de uma pessoa contra outra. O cristão é capaz de suportar a afronta contra si, demonstrando o fruto do Espírito – a longanimidade, mas “não aceita nenhuma afronta contra o seu próximo”.
  5. Despreza o réprobo (v. 4). Réprobo é sinônimo de reprovado, mau, perverso. O cidadão dos céus não pode aprovar, por ação ou omissão, o comportamento dos ímpios. Deve amá-los, espiritualmente, como Cristo os ama, mas desprezar suas práticas pecaminosas. Neemias, ouvindo o falso convite de Sambalate, Tobias e Gesém, logo os desprezou: “Estou fazendo uma grande obra, de modo que não poderei descer” (Neemias 6:2-3). Jesus, diante da ameaça de Herodes, um governante réprobo, desprezou-o de imediato, chamando-o de raposa (Lucas 13:32).
  6. Honra aos que temem a Deus (v. 4b). Pelo lado positivo, o homem bom é qualificado para adorar no templo, é homem conhecido por seu temor a Deus. Por causa de seu temor a Deus, seu caráter é íntegro. A expressão “com integridade” dá a entender aquilo que é inteiro, sincero, e sadio.[7] Os cidadãos dos céus, sendo íntegros amam e honram seus filhos; estes devem honrar a seus pais; os esposos devem honrar as esposas e vice-versa; os fiéis devem honrar os pastores e estes aos fiéis.
  7. Cumpre os seus compromissos (v. 4c). O texto do Salmo estudado diz: “aquele que, mesmo que jure com dano seu, não muda”. No Antigo Testamento, as pessoas faziam juramento diante de contratos e acordos. No Novo, vemos que Jesus nos ensinou a não jurar pelo céu, nem pela Terra (Mateus 5:34). Ele exortou Seus seguidores a serem pessoas íntegras no cumprimento da palavra, dizendo: “Seja, porém, o vosso falar sim, sim; não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna” (Mateus 5:37).
  8. Não empresta seu dinheiro com usura (v. 5). Pedir dinheiro emprestado não é bom ato (ver Provérbios 22:7). Às vezes, porém, certas circunstâncias obrigam o cristão a fazê-lo. Se tivermos condições de ajudar alguém, concedendo-lhe um empréstimo, devemos fazê-lo de modo cristão e compassivo (Salmos 37:26), sem explorar o próximo.
  9. Não aceita suborno (v. 5b). Subornar é dar dinheiro ou outros valores para conseguir algo oposto à moral e aos princípios cristãos, quem assim procede está debaixo da maldição (Deuteronômio 27:25). O cidadão do céu não pode se deixar levar pelos padrões deste mundo e se corromper. Antes deve primar por uma conduta impecável. O Senhor nos adverte, “Não tomarás suborno, porquanto o suborno cego os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos”. (Deuteronômio 16:19). No mundo sem Deus, a prática do suborno é comum. Mas, como cristãos, devemos condenar esta prática.

A palavra final do Salmo é a de garantia reforçada. A pessoa que cumpre suas condições não será movida, isto é, não será removida da casa do Senhor e da presença do Senhor. A resposta da pergunta inicial, com efeito, é: “Quem faz estas coisas habitará em seu santuário para sempre.” (grifo nosso). A palavra usada por Davi para habitar é tabernacular, e há duas ideias na palavra tabernáculo:  Uma, de adoração formal e sacrifício (Êx. 29:42); e a outra,  demonstrando a generosidade e a hospitalidade de Deus, que aguarda a chegada do peregrino (adorador e hóspede ansioso) a seu lar.

Algumas versões apresentam as palavras “santuário” ou “tenda”, à imagem do antigo santuário do deserto (Êx 23:19). O tabernáculo e o santo monte, sem dúvida, se referem ao monte Sião celestial e à cidade de Deus, a Nova Jerusalém, onde Deus habita (Hebreus 12:22-23; Apocalipse 14:1). Não se trata de tipologia e sim de realidade. A palavra “habitar” significa morar ali continuamente, e não visitar, ser um convidado ou passar algum tempo em adoração. O ímpio pode adorar no tabernáculo terreno, mas é preciso preencher as condições dos versículos 2-5 para ir até a casa de Deus e habitar com Ele para sempre.

Portanto Davi descreve o caráter de uma pessoa qualificada para viver (literalmente: tabernacular) com Deus. As perguntas paralelas e sinônimas do v. 1 são respondidas nos versículos 2-5 por uma descrição de onze pontos vitais que distinguem um cidadão celeste, e essas qualidades não são naturais no homem (que é pó); são virtudes divinas, concedidas por Deus. O salmista acreditava que Deus esperaria da parte dos seus hóspedes tais características, pois o caráter irrepreensível, assim retratado, é medido apenas pela conduta pessoal e social; isto é, o padrão é puramente ético.

Com essas qualidades o cristão está apto para ir para sua nova morada, nesse corpo o Espírito Santo irá aperfeiçoar-nos, ajustando para o grande dia, pois Ele mesmo irá nos transformar de um corpo corruptível para um corpo incorruptível.

Portanto, vamos socializando-nos com o novo lar eterno, corpo glorificado, vida eterna com Cristo por meio do entendimento da Palavra de Deus. A socialização nesse momento faz parte da integração dos cidadãos a esse novo lar. Para isso é necessário não só a leitura do código civil, mas a prática nessa dimensão terrena.    

A pergunta do primeiro versículo falava mais de habitar do que de obter admissão, pois as qualidades que o Salmo descreve são aquelas que Deus cria num homem, não as que Ele descobre neste. A ameaça da insegurança, que muitas vezes se expressa nos Salmos pela palavra abalado (cf. e.g., 10:6; 13:4, lit.) é enfrentada, não por aliar-se aos fortes, mas, sim, por firme confiança em Deus (e.g. 16:8; 46:5; 62:2, 6). É só assim que a última palavra hebraica do Salmo tem seu pleno sentido: “não será abalado, jamais”.

CONCLUSÃO

No Salmo que acabamos de estudar, temos a promessa de Deus para todos os que seguem os passos de Jesus Cristo e estão se preparando para entrar no céu, habitar no Monte Sião, junto a Ele. Estamos no limiar da eternidade, e muitos vivem com uma falsa segurança. Somente os íntegros poderão entrar pelos portais das mansões celestes. Temos nós buscado a Deus a fim de que esse caráter possa ser visto em nós? Se buscarmos sinceramente a Jesus Cristo, Ele dará a nós o Seu Espírito com abundância a fim de transformar a nossa vida, perdoando pecados e levando-nos à integridade e santificação, sem as quais ninguém verá a Deus.

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