Além das coisas exteriores, me oprime a cada dia o cuidado de todas as igrejas.    

2 Coríntios 11:28

 Amados irmãos e irmãs, graça e paz da parte de nosso Senhor Jesus Cristo vos sejam multiplicadas!

Nos dias atuais constato, com certa frequência, irmãos — bem intencionados — discutindo sobre a forma bíblica de administração da Igreja. Outros não ousam afirmar sobre a existência de uma suposta forma bíblica de administração, mas indagam sobre qual seria o melhor método ou sistema de se administrar a Igreja.

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De antemão indico que não está definido na Bíblia um sistema de governo eclesiástico normativo para igreja. Em Sua revelação nas Escrituras, Deus não teve a preocupação de estabelecer um modelo de governo eclesiástico como uma regra-padrão, com “status” doutrinário, a ser adotado e seguido hoje, invariavelmente, pela igreja cristã.

Os manuais de administração eclesiástica apresentam diferentes sistemas e modelos de administração da igreja cristã, mas, aqui, limitar-me-ei a mencionar os três mais conhecidos no meio cristão, a saber, (i) Congregacional, (ii) Episcopal e (iii) Presbiteriano.

Cumpre assinalar que cada instituição denominacional cristã se apropria dos mencionados métodos de administração, não exatamente por uma explícita determinação bíblica, mas, precipuamente, em função de fatores históricos e culturais. A preocupação primordial, em tese, ao menos, é a de que aqueles que estão incumbidos de governar, façam-no balizados pela Palavra de Deus.

Intencionalmente, não farei a análise de cada método administrativo, com seus “prós” e “contras”, porquanto exorbitaria o propósito desta mensagem.

Em minhas aulas de Teologia no TIME tenho dispendido tempo para tratar dos dois principais sistemas, que são (i) Episcopal e (ii) Congregacional. Entendo que todos os demais decorrem destes dois, sendo verdadeiros desdobramentos destes, com vantagens e desvantagens. Aliás, impõe-se ressaltar e, isso, já de forma reiterativa, que não existe um sistema de administração eclesiástica perfeito e imune a erros.

Estou convencido de que não deve ser essa nossa preocupação. Ao contrário, deveríamos nos empenhar em discutir a unidade da Igreja.

Nossa tradição batista em administração da Igreja não é monarquista (governo de um soberano humano) e, tampouco aristocrata (governo dos melhores senhores). Os batistas do sétimo dia brasileiros têm adotado um sistema híbrido. É um misto de sistema congregacional com um viés episcopal, visto que temos uma administração (central) concentrada na CBSDB — Conferência Batista do Sétimo Dia Brasileira — e seus Departamentos e Conselhos, mas, ao mesmo tempo reconhecemos e admitimos a enorme liberdade que gozam nossas Igrejas na gestão de suas atividades e programas. Por isso, assumo a coragem de admitir que somos regidos por um sistema congregacional impróprio ou impuro. Logo, em expressiva medida, reconhecemos a autonomia de nossas Igrejas locais e congregações.

Com esse empalidecido pano de fundo, valho-me do ensejo para lançar um vigoroso apelo à unidade.

Socorre-me a lembrança um dos pedidos de Jesus ao Pai, em Sua famosa oração sacerdotal, narrada no Evangelho de João, cap. 17, v. 21, que suplica: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (grifei).

E, em Efésios 4:3 Paulo, o apóstolo, exorta: “Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (grifei).

Com efeito, afigura-se inegável o fato de que, com essas palavras, Paulo reconhece a existência de atritos e arestas a serem aparadas entre os irmãos que formavam o “Corpo de Cristo”. Ele não instaria junto aos cristãos que mantivessem a unidade do Espírito, se não existissem dissensões entre eles. Aqui na Igreja Primitiva, obviamente, havia forças agindo no sentido de dividir o corpo cristão; entre eles havia pressões que ameaçavam cindi-lo em grupos menores. Em reação a essas pressões, o apóstolo insiste em que eles procurem manter a unidade.

Não há dúvida de que é irreal fazer de conta que não há divergências entre eles. Não há no mundo outro grupo tão gloriosamente heterogêneo como a igreja. É notável o fato de que ela se compõe de diferentes tipos de pessoas. Na verdadeira igreja de Cristo, ricos e pobres se reúnem em pé de igualdade, sem distinção e certamente sem favoritismo algum. Judeus ou gentios, homens ou mulheres, negros, vermelhos, brancos ou amarelos — não faz diferença. É verdade que esta não tem sido sempre a característica da Igreja, mas esta era a intenção original e ela pode ser assim. A Igreja atravessa todas as linhas divisórias erigidas pelos homens, bem como todas as distinções naturais, reunindo todos os povos, sem exceção, em um só corpo. Não há outro corpo no mundo que tente unir pessoas de origens e procedências tão amplamente variadas.[1]

Já disse em outra ocasião e, aqui reitero minha concordância com o Pastor Doutor Hernandes Dias Lopes, que observou: “A Igreja militante, na sua caminhada milenar, tem enfrentado grandes batalhas. Perseguições externas e conflitos internos. Muitas vezes, parece anêmica e sem fervor; outras vezes, ressurge das cinzas e experimenta grandes avivamentos”.[2]   

É também desse Pastor a assertiva de que a ortodoxia sem piedade gera racionalismo estéril; já, a piedade sem a ortodoxia produz misticismo histérico. Ao longo da história, a Igreja várias vezes caiu num extremo ou noutro. Ainda hoje, vemos muitas igrejas zelosas da doutrina, mas áridas como um deserto; outras cheias de entusiasmo, mas vazias de doutrina. O livro de Atos dos Apóstolos é um alerta para a necessidade urgente de uma nova reforma e de um profundo reavivamento. Não precisamos buscar as novidades do mercado da fé, mas nos voltarmos às origens do cristianismo apostólico.[3]   

Lembremo-nos sempre, que a unidade que aqui se busca, admite e efetivamente alberga o convívio com o pluralismo de ideias e visões. Em verdade, estamos enfatizando e exaltando a unidade na essência, ainda que ocorram diferenças e divergências periféricas, é dizer, não essenciais.

Como poderemos alcançar tal nível de unidade numa igreja tão heterogênea e diversificada? Julgo oportuno, nesse passo, transcrever as palavras secundadas da experiência do Pastor Stedman, quando exortou:

“Por isso, a maneira de criar unidade é simplesmente essa: levar homens e mulheres a Cristo, e a unidade do Espírito neles se produzirá através do próprio Espírito. É impossível conseguir-se qualquer união significativa e que faça sentido, à parte dessa unidade produzida pelo Espírito.

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Em outras palavras, existem dois tipos de unidade: uma unidade externa, sem concordância interior, e uma unidade interna, que ocasionalmente manifesta um desacordo externo.

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que eu me defrontei com o segundo tipo de unidade, a interior. Quando menino, eu tinha dois amigos que eram irmãos, havendo entre eles, apenas um ano de diferença. Um dia, estávamos brincando ao ar livre, quando os dois começaram a brigar. Achei que um deles foi um pouco sarcástico e desleal, de modo que intervim em favor do prejudicado. Para minha surpresa, ele não gostou de minha ajuda e voltou-se contra mim; seu irmão se associou a ele, e ambos pularam para cima de mim. Descobri que tinha feito um julgamento muito superficial. Eu achava que as divergências que estavam manifestando, representavam um desacordo fundamental entre eles, mas me enganei! Sob a superfície, havia uma unidade fundamental; e, no momento em que eu ataquei um deles, ela se manifestou, e os dois se voltaram contra mim. Isso ilustra a unidade da Igreja: uma unidade interna, acompanhada de um eventual desacordo exterior.”[4]

Que o Senhor, por meio do Seu Santo Espírito, prossiga agindo nos corações e mentes de cada crente batista do sétimo dia! Que o Senhor confirme em cada um de nós a convicção de que fomos chamados a nos entendermos mutuamente! Que o Espírito Santo nos capacite a ultrapassarmos as divisões humanas!

Lembremo-nos sempre que a unidade da Igreja é sobrenatural, tangível e evangelizadora. Thomas Brooks escreveu: “A discórdia e a divisão não condizem com cristão algum. Não causa espanto os lobos importunarem as ovelhas, mas uma ovelha afligir outra é contrário à natureza e abominável”. Jesus só tem uma igreja, um rebanho, uma noiva. A unidade da igreja é o desejo expresso de Jesus, o alvo da sua oração, a expressa vontade do Pai. O mundo perdido não é capaz de ver Deus, mas pode ver os cristãos. Se o mundo enxergar amor e harmonia nos cristãos, crerá que Deus é amor. A unidade da igreja é a apologética final, o argumento irresistível.[5]   

Em tudo, precisamos sempre cultivar o amor de Cristo. Aliás, foi muito feliz o Pastor Doutor John Sttot, citado pelo Pastor Erton Köhler, quando disse: “O amor sem a verdade é muito suave, mas a verdade sem o amor é muito dura”.[6]

Por fim, entendamos que a Igreja não tem o direito de traçar seu próprio curso. Noutras palavras, a trajetória, o propósito e o objetivo da Igreja já foram delineados pelo Senhor Jesus Cristo, a Cabeça desse Corpo Vivo.

Deus nos abençoe!

Bernardino de Vargas Sobrinho

Pastor Geral -- Presidente da Conferência Batista do Sétimo Dia Brasileira


[1] STEDMAN, Ray C. Igreja: Corpo Vivo de Cristo. São Paulo. Editora Mundo Cristão, 2ª ed., 1981, p. 28.

[2] LOPES, Hernandes Dias. Para Onde Caminha a Igreja?, 1ª ed., – São Paulo/SP: Editora Hagnos Ltda., 2017, p. 08.

[3] Op, cit., p. 14.

[4] STEDMAN, Ray C. Igreja: Corpo Vivo de Cristo. São Paulo. Editora Mundo Cristão, 2ª ed., 1981, p. 37.

[5] LOPES, Hernandes Dias. João: As Glórias do Filho de Deus, 1ª ed., 3ª reimpressão – São Paulo/SP: Editora Hagnos Ltda., 2016, pp. 429/430.

[6] STOTT, John. Apud KÖHLER, Erton. Revista Adventista, nº 1.3443, Tatuí/SP, Março de 2019, p. 05

 

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